Category Archives: Jornais

A vontade de saber: biografias (1)

Aproveitando a onda, vamos surfar na polêmica em pauta nos meios de comunicação: os direitos autorais para comercialização de livros designados biografias. De um lado, um projeto de lei proposto pela Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros) propõe alterar o artigo 20 do Código Civil brasileiro, também chamado de Lei das Biografias. De outro, a associação Procure Saber (formada por um grupo de artistas, autores e pessoas ligadas de algum modo a arte) que propõe uma reflexão sobre a questão pelo viés da autoria.

O autor da própria vida tem, atualmente, direito inalienável sobre seu nome próprio com o qual legitima e justifica sua existência temporal. Portanto, pode decidir se quer ou não tornar pública sua história privada e, se for uma figura pública, pode acionar a justiça para reparar danos à sua dignidade física e moral. A legislação brasileira protege todo e qualquer cidadão dando-lhe plenos direitos sobre sua história de vida. Tal como prescrito no código civil, “a vida privada é inviolável”. Cada um é o autor de sua própria história. Se quiser (ou não) escrevê-la e publicá-la é uma decisão de pleno direito. Seus herdeiros recebem, após sua morte, tal direito à autoria.

Continue reading

Paris de Madame Bovary

Madame Bovary é reconhecidamente o romance mais importante da literatura francesa: fundador do realismo moderno. Um dos meus preferidos que gosto de reler com deleite. Tive uma linda gata siamesa (cruelmente assassinada por envenenamento) com o nome da personagem de Gustave Flaubert.

Em 1856, o romance é publicado em capítulos( folhetim, tal como novela das 21h) na Revista de Paris. Avidamente, os leitores acompanhavam as desventuras da jovem Emma Bovary em busca de uma vida glamorosa representada pela ascensão da classe burguesa parisiense: festas, bailes, vestidos, valsas e teatro operístico. Órfã de mãe, Emma vivia com seu dedicado pai, no sítio entre gansos e suspiros melancólicos. Inebriada com os livros de romances, imaginava ser Madame. Eis que o destino lançou os dados e a jovem fez sua aposta: seu pai quebrou o pé e certo doutor da região é chamado para os cuidados. Emma decidiu de pronto conquistar o médico, casar e viver na cidade: lugar onde seus sonhos poderiam se realizar.

Continue reading

Histórias da Loucura em Paris

Paris, maio de 1968: os universitários vão às ruas exigir mudança no sistema educacional. Queriam conteúdos modernos em sintonia com as vanguardas da esquerda, liderada pelo célebre PCF (Partido Comunista Francês). A Universidade Sorbonne é ocupada e se propaga na França uma greve de trabalhadores. Estudantes, professores, trabalhadores, apoio midiático e partidário: o estopim revolucionário estava detonado.Marcados pela história de decapitar a monarquia instituída, os franceses se identificam com causas revolucionárias.

O que desejavam os jovens parisienses? O impossível: proibido proibir! Muita tinta e película já correram em retratar este acontecimento recente. O retrato de quem estava lá pode ser contemplado no belo filme, Os Sonhadores (2003), do diretor italiano Bernardo Bertolucci.

Continue reading

Freud, a literatura e as viagens a Roma, parte 2

Narrava, no artigo anterior, as peregrinações de Sigmund Freud a Roma e as visitas ao túmulo do papa Júlio 2º na igreja de San Pietro in Vincoli para contemplar a figura do patriarca Moisés, esculpido no mármore por Michelangelo. Destas visitas, nasceu o artigo Moisés de Michelangelo, publicado anonimamente em 1914. Neste texto, encontramos um testemunho importante: “As obras de arte exercem sobre mim um poderoso efeito, especialmente a literatura e a escultura e, com menos freqüência, a pintura. Isto já me levou a passar um longo tempo contemplando- as, tentando apreendê-las á minha própria maneira, isto é, explicar a mim mesmo a que se deve o seu efeito. Uma inclinação psíquica em mim, racionalista ou talvez analítica, revolta-se contra o fato de comover- me com uma coisa sem saber por que sou assim afetado e o que é que me afeta”.

Continue reading

Freud, a Literatura e as Viagens a Roma

No texto do último domingo, destaquei a viagem do médico vienense Sigmund Freud a Roma, de lá para Trieste onde embarcou no vapor da Companhia Lloyd meio ao acaso para a Grécia. Nas colunas da Acrópole decidiu publicar seus Ensaios de Sexualidade. Vamos nos deter mais nas viagens a Roma. No livro As Cidades de Freud, Giancarlo Ricci traçou o itinerário do viajante por meio de minuciosa pesquisa que lhe permitiu cartografar os itinerários a partir do epistolário, dos artigos, dos livros publicados por Freud, incluindo registro de hospedagem: “Roma é aquele ponto distante, abstrato e inatingível em torno do qual giram míriades de outras cidades. Ele precisará de seis anos de navegação em terra italiana antes de pôr os pés em Roma. Aos olhos de Freud, Roma, umbigo do mundo, se junta não com o reino do desconhecido, mas com o indistinto, com aquilo que ainda não se deixa reconhecer com exatidão”.

Continue reading