Category Archives: Jornais

Lacan(agem) parisiense

Para o amigo Zé Lima.

No período ginasial tive uma professora de geografia que viajou a Paris. Na volta, mostrava mapas, fotos, revistas, postais e contava, com uma alegria contagiante, os passeios nos castelos, as histórias de reis e rainhas. Naquele tempo havia no currículo das escolas públicas aulas de língua francesa para as crianças. Guardo com carinho o livro Le français par l’image de Irma Aragonés Forjaz, publicado pela Companhia Editora Nacional. Este é um traço mnêmico determinante de toda minha formação acadêmica e experiência existencial: desde sempre, voltada para os autores franceses. Alinho-me à leitura que fizeram (e fazem) das obras de Nietzsche, Freud & Marx, meus alemães de coração. Portanto, meus livros prediletos são da lavra da língua francesa.

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Sartre em Araraquara

Em 1960, Jean-Paul Sartre esteve no Brasil como convidado de honra no 1º Congresso de Crítica e História Literária realizado em Recife. De lá passou por Salvador visitando terreiros de candomblé e comendo acarajé. Simone de Beauvoir, sua fiel escudeira, aparece nas fotos sempre com a expressão de quem se pergunta: o que é que eu estou fazendo aqui? Da Bahia para o Rio de Janeiro, Sartre atraía multidões, jornalistas, fotógrafos e acadêmicos da filosofia, literatura e ciências sociais. Era aclamado como portador do oráculo da dialética marxista aplicada aos movimentos de libertação. Um existencialista comprometido com as lutas sociais de emancipação.

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A vontade de saber: biografias (4)

Outro dia, a escultura do peixe na entrada da cidade amanheceu com a pichação em exclamação: “Marighella, vive”. No mesmo dia, em São Paulo, na rua em que o Deputado Federal Carlos Marighella foi brutalmente assassinado em 1969, a viúva Clara Charf, com um olhar de saudade do homem que amou, estava no local prestando homenagem aos 44 anos da morte do maior líder da resistência à ditadura militar.

 As duas imagens reverberaram em minha memória a cena da noite de intenso calor quando ouvi a notícia na TV da morte do Marighella. A imagem de um homem morto dentro de um “fusca” colou-se ao sobrenome do meu pai que estava em viagem de trabalho. Minha mãe só ouviu a associação homofônica e deu um grito: “Seu pai morreu”. Em estado de choque fiquei observando a seqüência do mal entendido: ela desmaiando, vizinhos socorrendo e todos querendo saber o que estava acontecendo. Como a única televisão no bairro era na minha casa, não havia como desfazer o equívoco homofônico. Um tio, também funcionário da empresa, foi acionado para esclarecer que o Marighella assassinado não era meu pai.

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A vontade de saber: biografias (3)

No filme Leolo (1992) o diretor Jean-Claude Lauzon declarou seu amor aos livros: “tudo o que peço a um livro é que me dê energia e coragem, que me diga se há mais vida do que posso ter e que me lembre de que é urgente agir”. Esta poderia ter sido também a exigência do jovem holandês Vincent Van Gogh aos livros. Leitor voraz, escritor sublime, pintor incandescente, Vincent (como pedia para ser chamado) teve sua vida esquadrinhada pelos biógrafos depois que sua arte foi reconhecida como revolucionária.

Após sua morte em julho de 1890, seu amado irmão Théo faleceu subitamente no ano seguinte. Na seqüência, a viúva do irmão publicou numa revista em Paris, fragmentos dascartas de Vincent a Théo. Em 1914, elas são publicadas na íntegra na Holanda. A primeira biografia de Vincent foi escrita por Julius Meier-Graefe em 1922. Irving Stone, biógrafo americano, publicou em 1934, Sede de Viver, um relato ficcional (romance biográfico) que se tornou “best-seller”, imprimindo à imagem do tiro fatal no campo de trigo: a última tela pintada. O livro de Stone foi adaptado para as telas de cinema em 1956 e coube ao magistral Kirk Douglas o papel de interpretar o pintor holandês. O filme (disponível no Netflix) dirigido por Vincente Minnelli venceu o Oscar e se tornou referencia para os cinéfilos.

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A vontade de saber: biografias (2)

O jovem polonês Arnold Zweig se tornou escritor lendo os livros de Nietzsche. Encontrou na filosofia trágica do Assim Falou Zaratustra os fundamentos literários da teoria do inconsciente formulada pelo neurologista Sigmund Freud, inventor da psicanálise. Iniciou uma correspondência com o médico vienense e tornaram-se amigos. Certa vez, Zweig se propôs a escrever a biografia de Freud e recebeu como resposta: “Quem quer que se torne biógrafo entrega-se à mentiras, ocultamentos, hipocrisia, embelezamentos, dissimulação de sua própria falta de compreensão, pois não se alcança a verdade biográfica e, mesmo que alguém a alcançasse, não poderia usá-la.”

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