Freud & Jung e a invenção da psicanálise

A história de Sigmund Freud e seus amigos/discípulos é um capítulo relevante para apreender a emergência histórica da prática clínica inaugurada pelo neurologista vienense inventor da psicanálise. A capacidade retórica de Freud surpreende e seus livros “A Interpretação dos Sonhos”, “Psicopatologia da vida cotidiana” tornam-se acontecimento.

A teoria do inconsciente formulada pelo Dr. Freud, através de escuta clínica dos diferentes modos de sofrimento psíquico, atravessou as fronteiras da Áustria e despertou interesse de médicos psiquiatras de vários países da Europa Ocidental e Oriental (já havia tradução em russo no início do século 20). Em 1909, Freud e seus amigos (Carl Gustav Jung, Sándor Ferenczi, Ernest Jones) cruzaram o oceano atlântico e conquistaram a América do Norte. Reza a lenda, que Freud disse aos companheiros de viagem: “Eles não sabem que estamos trazendo a peste”.

Acaba de ser lançado no Brasil a nova biografia “Sigmund Freud: na sua época e em nosso tempo” escrita por Elisabeth Roudinesco, historiadora e psicanalista francesa. No capítulo “Discípulos e dissidentes” reconstruiu, a seu modo, a teia de relações entre Freud e seus seguidores/adversários. A posição da autora fica explicita: “a psicanálise jamais foi reduzida por seu inventor a uma abordagem clínica da psique. Desde sempre, Freud pretendeu constituí-la num sistema de pensamento totalmente à parte das ciências médicas de seu tempo”.

O cenário inicial do movimento psicanalítico: “Aos 44 anos, Freud possuía real notoriedade na esfera do vasto movimento de renovação da psicologia e da psiquiatria dinâmica que eclodia na Europa desde o fim do século 19, tendo como pano de fundo a escalada da perda da fé e um questionamento das ilusões da religião”.

Jung tinha 30 anos quando se encontrou com Freud em agosto de 1905. Até então, o método psicanalítico era aplicado no tratamento de casos de neurose histérica e neurose obsessiva. Como médico psiquiatra, Jung iniciava seu trabalho com pacientes diagnosticados com psicose esquizofrenia no hospital do Burghölzli na Suíça.

Encantado com a excepcional inteligência de Jung, Freud identificou a possibilidade de aplicar a psicanálise no tratamento de casos de psicose, ampliar o diálogo com a psiquiatria de Zurique e, sobretudo, ultrapassar a barreira de preconceitos sórdidos que sua clínica tinha entre os psiquiatras de Viena. Dentre eles, o julgamento excludente de que a psicanálise era uma invenção de judeus.

Jung, filho de pastor luterano e mãe espírita kardecista, adquiriu formação cristã e, a princípio, encontrou em Freud um messias capaz de salvá-lo da angustia que sentia decorrente de um abuso sexual sofrido no final da infância. Na carta de 28/10/1907, Jung justificou sua elevada admiração por Freud: “minha veneração pelo Sr. tem o caráter de um entusiasmo apaixonado, religioso, e é, todavia, repugnante e ridículo para mim devido à sua irrefutável consonância erótica. Esse sentimento abominável provém de que, ainda menino, sucumbi à agressão homossexual de um homem que eu admirava”. O homem, no caso, era um padre católico, amigo de seu pai.

 

Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro no projeto “Conhecimento para Todos” do Instituto Justa Trilha Brasil

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