Neurose Histérica

Numa cena cotidiana, ouvi um garotinho dizer à mãe: ‘deixa de ser neurótica, não precisa se preocupar tanto’. Houve um tempo em que os sofrimentos psíquicos eram diagnósticos na categoria psicose e neurose. Atualmente há uma miríade de diagnósticos e consequentes remédios psicoativos.

O designativo neurótico passou adjetivar estados psíquicos e comportamentais no discurso popular e desapareceu do Manual de Diagnóstico da Associação de Psiquiatria Internacional. Diferentes autores do discurso psicanalítico interrogaram o apagamento da neurose como categoria diagnóstica no atual Manual, conhecido como DSM-5.

Para destacar a especificidade do tratamento psicanalítico aos sintomas de adoecimento psíquico, rememoro a centenária conferência A Etiologia da Histeria proferida pelo médico Sigmund Freud em 1896 na Sociedade de Psiquiatria e Neurologia de Viena.

No tempo de Freud os diagnósticos dos estados neuróticos não incluíam a histeria como um sintoma digno de interesse científico. Havia um consenso no discurso e na prática médica: os pacientes histéricos não dizem a verdade, simulam um determinado sofrimento. Para os psiquiatras e neurologistas do final do século 19, a histeria era um sofrimento simulado, e os pacientes histéricos eram acusados de dissimuladores.

No preâmbulo da conferência, utilizou analogia arqueológica como estratégia de apresentação do método psicanalítico de investigação do agente etiológico da neurose histérica: “imaginemos um explorador chegando a uma região pouco conhecida e tendo seu interesse despertado por extensa área em ruínas, com restos de paredes, fragmentos de colunas e lápides com inscrições meio apagadas e ilegíveis. Se seu trabalho for coroado de êxito, as descobertas se explicarão por si mesmas: as paredes tombadas são parte das muralhas de um palácio ou de um depósito de tesouro; os fragmentos de colunas podem reconstituir um templo; as numerosas inscrições, revelam um alfabeto e uma linguagem que, uma vez decifrados e traduzidos, fornecem informações nem mesmo sonhadas sobre os eventos do mais remoto passado em cuja homenagem os monumentos foram erigidos”.

O diagnóstico dos sintomas histéricos e o tratamento proposto requer um trabalho semelhante ao realizado por um arqueólogo: encontrar os vestígios de experiências traumáticas na historicidade e singularidade do paciente. Toda vivencia de dor e prazer permanece inscrita na memória afetiva e os sintomas atualizam no presente os traços mnêmicos do que foi vivido.

É na história do indivíduo adoecido que se encontra as causas de seu sofrimento. Rememorar, relembrar, resignificar o que foi vivido para permitir que o passado passe, eis a tarefa do trabalho terapêutico em psicanálise. A etiologia das neuroses encontra-se na historicidade e não no funcionamento neuroquímico cerebral. Isso porque o aparelho psíquico é estruturado pela linguagem e não possui única base anatômica.

Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro no projeto “Conhecimento para Todos” do Instituto Justa Trilha Brasil

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