Category Archives: Jornais

A História do Olho em Sevilha (1)

Com o imaginário de Sevilha, inundado de expectativa desejante desde que me encontrei com El Burlador de Sevilha, peça teatral atribuída aos escritos do padre Tirso de Molina, publicado em 1630,aguardava a chegada do dia em que pudesse contemplar Sevilha. Somado a isso, vieram o prazer estético com as óperas Carmem de Georges Bizet e O Barbeiro de Sevilha de Gioachino Rossini ambientadas neste encantador porto andaluz e o livro A História do Olho, novela erótica escrita por Georges Bataille em 1927.

 

 Cenário de referências estéticas determinantes na modernidade, Sevilha é um porto no rio Gualdaquivir irradiando cultura por toda a península andaluza. Criando o cenário, registro do meu olhar, comento nesta série os dois livros citados: O Burlador de Sevilha (gênese de Don Juan, o mito moderno) e a História do Olho (gênese do erotismo na literatura de Bataille).

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Salvador Dalí, um gênio escritor (4)

Concluindo a série sobre o genial escritor catalão, chegamos ao livro que arrasta consigo as condições trágicas da 2ª Guerra Mundial. Escrito em 1933, O Mito Trágico do Ângelus de Millet ficou para traz (e se perdeu) na fuga de Dalí para a Espanha quando as tropas nazistas ocuparam Paris. Hitler desfilando em carro aberto na Champs Elysées era o símbolo máximo da decadência política para os franceses. Em torno de um fenômeno de cultura de massa (imagem do Ângelus), Dalí construiu uma metáfora da política de massa (o nazismo como imagem).

 Reencontrado 30 anos depois, o livro é um ensaio de estética com várias camadas sobrepostas exigindo do leitor uma postura arqueológica. Ângelus é o título do quadro pintado por Jean-François Millet entre 1857/59 e considerado como uma das imagens mais populares do consagrado artista fundador da Escola de Barbizon, região campesina francesa situada no encantador bosque de Fontainebleau (refúgio dos pintores entediados com a vida urbana parisiense).

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Salvador Dalí, um gênio escritor (3)

A perspectiva trilhada por Dalí no movimento surrealista foi experimentar as possibilidades da “atividade paranóico-crítica”. Deste modo, estabeleceu um campo (objeto) denominado por ele de “irracionalidade concreta”. Numa carta (07/1933) a André Breton, Dalí expressou sua incondicionalidade surrealista definindo suas posições no movimento. Para tanto, indicou um equívoco fundamental: “Todo o equívoco parece-me provir da confusão de dois fenômenos determinantes que vou simplesmente tentar situar separadamente. Considero meu caro amigo Breton, que tudo o que foi e tudo o que pode ser feito atualmente de precioso, de substancial, de inteligente e de realmente fenomenal provém, como se sabe entender, mesmo que se recuse a sabê-lo e a entendê-lo, de dois grandes fenômenos geniais, de absoluta genialidade, que se chamam Pablo Picasso e Giorgio de Chirico”.

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Salvador Dalí, um gênio escritor (2)

As ilustrações de Dalí no livro A Imaculada Conceição, escrito por Breton e Éluard, tal como exposto no artigo anterior, podem ser interpretadas como uma escrita que atualiza a tese principal do surrealismo e podem também ser identificadas como o registro de entrada do jovem catalão no movimento que revolucionou a arte contemporânea.

 

 Numa carta (02/1932) a André Rolland de Renéville, Breton traçou a gênese do livro: “Se o Primeiro e o Segundo Manifestos eram a narração do conteúdo manifesto do sonho surrealista, L’Immaculée Conception é a narração de seu conteúdo latente. A vontade original de simulação de delírios sistematizados ou não teve como benefício apreciável não somente fazer aparecerem imprevistos e todas as novas formas poéticas, mas também o efeito transcendental de consagrar, de uma maneira exemplarmente didática, as categorias livres do pensamento, culminando na alienação mental. L’Immaculée Conception é o livro pelo qual, a despeito de qualquer genealogia, entramos na via do conhecimento e perseguimos a adaptação do conhecimento aos desejos, graças às possessões e às mediações, opostas grosseiramente umas às outras do ponto de vista social, mas dialeticamente conciliáveis. É o livro da possessão ideal.

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Salvador Dali, um gênio escritor (1)

Ao Monsenhor Orivaldo Casini, companheiro de graduação em Filosofia, por seus 25 anos de ordenação sacerdotal.

Num belo ensaio publicado em Profanações, o filósofo italiano Giorgio Agambem traçou a etimologia da palavra gênio: “os latinos chamavam Genius ao deus a que todo homem é confiado sob tutela na hora do nascimento. A etimologia é transparente, e ainda é visível na língua italiana na aproximação entre gênio e gerar. Que Genius tivesse a ver com gerar é, aliás, evidente, pelo fato de o objeto por excelência ‘genial’ ter sido, para os latinos, a cama: genialis lectus, porque nela se realiza o ato de geração”. Decorre desta matriz, a heróica tarefa de cada um encontrar o seu próprio Genius: o deus que preside o nascimento de cada ser. Genius é a divinização da pessoa em sua radical singularidade; é o princípio que rege e exprime a sua existência inteira.

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