Don Juan, o burlador de Sevilha (5)

No artigo anterior, destaquei a versão francesa de Don Juan escrita e encenada por Molière no Palais Royal de Paris em janeiro de 1665, bem como seu contexto histórico/literário. Molière capturou a seiva da versão espanhola do Burlador de Sevilha e incorporou as diferentes interpretações do mítico Don Juan que circulavam pela Europa com o título O Convidado de Pedra. O Burlador tem como tema central a questão da honra; no Convidado o tema é a hospitalidade: a estátua do comentador assassinado por Don Juan é a voz do além-túmulo conclamando o arrependimento ou a danação derradeira.

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Catálogo das paixões – A Língua Materna do Amor

Na edição anterior da Arraso iniciei a narrativa do amor como a paixão por excelência. Os gregos designavam páthos o estado de transbordamento de emoções e sentimentos incontroláveis. O sujeito apaixonado encontra-se num estado afetivo de perturbação, transtorno e obscuridade afetando seu juízo crítico e consciente. Eros, o deus do amor foi representado na mitologia como o causador dos estados patológicos.

Destaquei o diálogo O Banquete de Platão como registro de nascimento do Amor (Eros). Sócrates contou que ouviu da sacerdotisa Diotima a seguinte narrativa: por ocasião de uma festa para comemorar o nascimento de Afrodite, Póros se embriagou do néctar dos deuses e adormeceu no jardim da morada de Zeus. Por ali perambulava Pênia, que em sua penúria, nutria a esperança de obter algumas sobras do festim. Ao ver o belo Póros adormecido, tomou a decisão num instante: desejou ter um filho com ele. Deitou-se ao seu lado e concebeu Eros, o deus do Amor. Desse modo, Eros é filho de Póros de Pênia. Póros significa passagem, caminho, via de comunicação, ponte, conduto; e também recurso, fartura, excesso, transbordamento; e Pênia significa miséria, pobreza, penúria.

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Don Juan, o burlador de Sevilha (4)

Tendo estabelecido a peça teatral El Burlador de Sevilha, atribuída a Tirso de Molina, como matriz genética de todas as demais versões e reinterpretações ao longo da história da literatura moderna, podemos seguir adiante com as apresentações. Na versão francesa, Don Juan ou o Festim de Pedra, escrita por Molière e encenada no Palais Royal de Paris em janeiro de 1665. No conjunto das peças deste genial dramaturgo francês, Don Juan e Tartufo são exemplares na desconstrução da moral cristã hegemônica à serviço da aristocracia monárquica. O sucesso de ambas é proporcional ao elemento belicoso que explode em frases perfeitas da mais fina ironia e sarcasmo. O texto realiza o trabalho de desconstrução do edifício moral dominante no século 17.

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Don Juan, o burlador de Sevilha (3)

Em 1840, o poeta e dramaturgo José Zorrilla y Moral se hospedou na Plaza de los Venerables em Sevilha para escrever sua clássica versão para o mítico Don Juan Tenório. Hoje a Hosteria del Laurel exibe o título de lugar em que o mítico sedutor se hospedou. O belo edifício abriga restaurante e hotel servindo de cenário para Zorrilla contabilizar as conquistas do burlador de Sevilha. No aspecto dramático, esta versão implanta o romantismo do norte da Europa em solo espanhol e, sua interpretação do mito, adquiriu um juízo moral predominante em grande parte das versões subseqüentes. Nela, o burlador refaz sua trajetória existencial num relato mnemônico: com certa nostalgia e em busca de um tempo perdido, lembranças de aventuras e conquistas. O título da peça teatral Don Juan Tenório foi extraído de outra peça, El Burlador de Sevilha de autoria atribuída a Tirso de Molina, publicada em 1630.

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Don Juan, o burlador de Sevilha (2)

Seguimos destacando o pressuposto para incursão nas versões da peça teatral El Burlador de Sevilha ao longo da história da literatura moderna. Antes de adentrar na estrutura textual da versão atribuída a Tirso de Molina no alvorecer do século 17, convém retornar ao argumento do escritor-filósofo Albert Camus no ensaio O Mito de Sísifo publicado no contexto da 2ª Guerra Mundial.

Na terceira parte do ensaio (O Homem Absurdo), Camus escolheu Don Juan como protótipo moderno do herói mítico (Sísifo) da antiguidade grega. Se for imprescindível reconhecer Sísifo feliz, de igual modo, podemos reconhecer Don Juan feliz. Esse aspecto é determinante na leitura das diferentes versões do mítico Don Juan. A alegria transbordante do “donjuanismo” foi destacada com precisão: Don Juan é um personagem da “commedia dell’arte”; do teatro comédia encenado nas praças públicas. Representar suas aventuras burlescas era sinônimo de sucesso para qualquer companhia de teatro na Europa moderna. Seu apelo popular era pura diversão: riso fácil.

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Psicanálise e Filosofia