No episódio anterior, narrei o encontro de Lou Andreas-Salomé com Sigmund Freud. Hoje destaco o primeiro encontro de Lou com Friedrich Nietzsche em abril/1882 nas escadarias da Basílica de São Pedro em Roma. Com olhar penetrante, Nietzsche lançou, num olhar de águia, a pergunta derradeira: “De que estrelas caímos um ao encontro do outro?”
O encontro foi previamente construído pela mediação de Paul Rée e Malwida von Meysenbug. Em 1880, com 19 anos, a russa Lou decide ingressar na Universidade de Zurique para estudar filosofia e ser escritora. Com diagnóstico de tuberculose, os médicos prescrevem uma viagem à Itália. Malwida, amiga da família, aceita recebê-la em sua residência em Roma.
Mulher exemplar do cosmopolitismo e do liberalismo cultural do século 19, Malwida foi pioneira nos movimentos de emancipação feminina, presença marcante na ação política, refugiou-se na Itália para não ser encarcerada. Em Londres/1855 se tornou amiga de Richard Wagner e, através do músico, conheceu Nietzsche.
Paul Rée conheceu Nietzsche em 1873 e o vínculo de amizade foi instantâneo. Malwida convidou Nietzsche para uma temporada em Sorrento. Ele pede autorização para convidar o amigo Rée. Neste encontro no sul da Itália, “monastério dos espíritos livres”, surgiram os melhores livros do filósofo trágico: Humano, Demasiado Humano; Aurora; A Gaia Ciência.
Quando Lou chegou em Roma, seis anos depois da aventura dos “amigos de Sorrento”, os laços estavam esgarçados. Nietzsche rompeu com Wagner. Malwida tomou partido de Wagner. Nietzsche se revolta. Com Paul Rée encontrou as aventuras de um espírito livre. Lou encontrou na relação e formou a vértice do triangulo amoroso mais produtivo que conheço.
Os dias em Roma deu o tom da intensidade no verão em Tautenburg na Turingia. Foi lá que Nietzsche pediu Lou em casamento. Ela, com delicadeza felina, recusou e insistiu na amizade sem vínculo sexual. Lou estava empenhada em demonstrar, pela própria experiência, a possibilidade do laço amoroso entre amigos homens e mulheres. Aliança tríplice mantida num equilíbrio de forças dionisíacas. Lou se apaixonou por Rée, abandonam Nietzsche e foram morar juntos em Berlim.
Depois do vivido em Tautenburg, no tríplice enlaçamento amoroso, Nietsche escreveu (dezembro/1882) a Franz Overbeck: “agora estou inteiramente só diante da minha tarefa. Preciso de um baluarte contra o mais insuportável de tudo o que vivi”. Nos dias seguintes redigiu a primeira parte do Assim Falou Zaratustra.
Lou foi depositária das potencias dionisíacas de Nietzsche. Nela encontrou sua musa, fonte de inspiração. O deslocamento dessa força amorosa para a escrita do Zaratustra foi decisivo para reconhecer, no primeiro encontro na Basílica, o prenuncio da criação filosófica e literária de cada um dos enlaçados na experiência amorosa.
Nietzsche escreveu o Zaratustra. Lou escreveu seu primeiro livro, Combate por Deus, e o pensamento trágico de Nietzsche. Paul Reé precipitou-se [acidente ou suicídio?] numa caminhada pelos Alpes suíços e é conhecido na história como amigo de Nietzsche e amante de Lou Salomé.
in: Jornal Cidade – Rio Claro/SP – 15/outubro/2021 – Projeto Conhecimento para Todos