O templo é o lugar primevo do tempo mítico narrado pela origem dos deuses. A autoridade da narrativa estava determinada pela figura do sacerdote ou sacerdotisa que falavam em nome das divindades, predizendo o futuro pelo passado. Sendo, o tempo presente, o acontecimento da narrativa. Aristóteles afirmou em sua Ética à Nicômaco que “o agradável é a atividade do presente, a esperança do futuro e a memória do passado”. O tempo marca o lugar do agradável, do aprazível, da esperança e da memória.
Com o surgimento da figura pública do aedo, o poeta que, inspirado pelas Musas e com o auxílio de instrumento musical, cantava a origem dos deuses e heróis presentificando na narrativa, o sentido e significado dos acontecimentos. O aedo não tinha a mesma representação da figura sacerdotal e não estava ligado aos rituais sagrados realizados no templo. Eram trovadores que compunham em versos suas próprias versões dos acontecimentos passados e assim tornava presente à consciência mítica como a primeira forma de representação do ser no mundo. Assim, as tradições míticas ganharam o espaço público e profano, saíram do templo sagrado. Com os aedos, o sagrado se tornou extensivo ao templo.
Ao compor a Ilíada e a Odisséia (provavelmente entre os séculos 12 e 8 a.C.) Homero inscreveu no tempo as aventuras dos heróis nas guerras e as intervenções dos deuses nas conquistas que deram aos gregos a hegemonia política e cultural capaz de fundar a civilização ocidental. Coube a outro aedo a narrativa mais importante de tudo o que os séculos vindouros vieram a conhecer sob a rubrica da mitologia grega: Hesíodo, o criador da Teogonia, o livro que narra à genealogia dos deuses primordiais na conquista do Olimpo e dos deuses secundários até o surgimento dos homens.
Limitado por minhas leituras, me restrinjo à mitologia que estrutura a cultura ocidental grega e romana e à tradição da era cristã com o surgimento das Igrejas. Muitas das igrejas foram edificadas sobre templos destruídos ou coptados para impor a hegemonia da crença num único Deus. O monoteísmo judaico-cristão erradicou pela força o politeísmo da antiguidade. O pouco que ainda restou da crença politeísta sobreviveu à margem e ainda hoje é motivo de ira declarada de várias denominações cristãs. Os templos espíritas (candomblé ou umbanda) são hostilizados com frequência e a prática do ecumenismo é uma utopia a guiar os que defendem o pluralismo religioso.
Voltando a Hesíodo, saliento sua narrativa sobre o tempo. Na Teogonia, invocou a inspiração das Musas para contar como surgiram os deuses primordiais. “Eia! pelas Musas comecemos, elas a Zeus pai hienando alegram o grande espírito no Olimpo, dizendo o presente, o futuro e o passado. Brilha o palácio do pai Zeus troante quando a voz liral das deusas espalha-se, ecoa a cabeça Olimpo nevado e o palácio dos imortais. Dizei como no começo deuses e terra nasceram, os rios, o mar infinito impetuoso de ondas, os astros brilhantes e o céu amplo em cima”. Já no proêmio encontramos a saudação as Musas como fonte de inspiração para a narrativa mítica do tempo da criação.
Na sequência, o aedo Hesíodo narra o surgimento dos deuses do caos primordial: “Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também a Terra (Gaia) de amplo seio e Eros: o mais belo entre deuses imortais, dos deuses todos e dos homens todos ele doma no peito o espírito e a prudente vontade.” O primeiro combate será travado por Zeus para destronar Cronos e os Titãs que impediam a criação do mundo. A longa batalha termina com Zeus assumindo o poder supremo do Olimpo (a morada dos deuses) e na partilha, Poseidon assume o governo dos mares e Hades às profundezas dos mortos. Do caos ao cosmo: o primeiro tempo da criação. Era preciso registrar a vitória da batalha na memória do tempo e assim cantá-la para sempre a todos os cantos do mundo.
Coube a Zeus engendrar os seres para celebrar a vitória e escolheu para tanto a titânia Mnemóise (a memória). O soberano do Olimpo a conquista e unindo-se a ela procriou nove filhas e, deste modo, nasceram as Musas: Clio (glória e reputação) que representa a história; Euterpe (deleite) preside a música; Talia (a que sempre floresce) personifica a comédia; Melpômene (a que diz e canta) simboliza a dança; Érato (a amável) preside a poesia lírica e erótica; Polímnia (muitos hinos ou memória) protege a oratória e o ditirambo; Urânia (a celeste) representa a astronomia e as ciências em geral e; Calíope (a voz bela), a mais sábia de todas as irmãs.
Como fizeram parte do cortejo de Apolo, as Musas eram veneradas com o deus em seu templo principal na cidade de Delfos, ao norte de Atena. Coube às Musas personificar o tempo como filhas da memória. Desta forma, o tempo está inscrito na memória e é no templo e na narrativa poética que ela adquiriu seu estatuto histórico que nos foi transmitido de geração em geração.