As alegrias de Goethe em Nápoles – 1

O primeiro fruto da viagem de Goethe à Itália é a peça trágica Ifigênia em Tauris. Ao concluí-la, decidiu partir de Roma em direção ao sul: Nápoles e a exuberante ilha Sicília. A expectativa com a viagem ao sul seria o coroamento do seu desejo de viver uma temporada no território italiano e se encontrar com as grandiosas obras de arte da Renascença e, por extensão, com a gênese da cultura ocidental.

alegrias

“Que alegrias e conhecimentos me trará o sul, provendo-me de novas conquistas. Quando penso em Nápoles ou na Sicília, na história e pintura que conheço, reconheço nesse paraíso terrestre a presença do inferno vulcânico que se manifesta com tanta violência, ameaçando e amedrontando há séculos tanto os habitantes quanto visitantes”. O Vesúvio e o Etna exerciam grande força atrativa na imaginação do poeta alemão. Em sua visita pela região fez excursões até o ponto mais extremo dos vulcões. Os relatos desta aventura são dignos de um trailer cinematográfico.

O sul representava também o reencontro de Goethe com o mar: “vi o mar duas vezes: o Adriático e uma breve visita ao Mediterrâneo. Em Nápoles vou me encontrar com ele novamente e, estou certo que nos conheceremos melhor. Alegra-me a perspectiva do novo e, pelo que sei, indizivelmente belo. Espero adquirir nova liberdade no sul e um novo ânimo em meio àquela natureza paradisíaca”.

Na bagagem levou consigo o desejo de dar prosseguimento a escrita da peça Torquato Tasso, narrando a trajetória existencial do poeta renascentista italiano. “Consegui arrancar o compromisso de nada levar comigo de meus trabalhos poéticos; somente o Tasso, e nele deposito as melhores esperanças. Tasso é um trabalho semelhante a Ifigênia”.

Goethe tinha em mãos dois atos da peça escrito em prosa sete anos antes e não se encontrava satisfeito com o resultado preliminar: “o que já escrevi, preciso destruir por completo, pois abandonei-o por tempo demais, de modo que as personagens, o plano e o tom não possuem o menor parentesco com minhas intenções atuais”.

O tempo vivido em território italiano produzia efeitos de descontinuidade na existência do poeta alemão. As “intenções atuais” estavam marcadas pela experiência estética do encontro de Goethe com arte do período clássico renascentista. A vida do poeta Torcato Tasso (1544-1595) foi narrada de forma dramática na peça e sua escritura porta os traços da viagem ao sul.

Em 25/02/1787 chegou em Nápoles e, de pronto, escreveu uma carta narrando a descrição que encontrou: “O napolitano acredita-se dono do paraíso e tem dos países do norte uma ideia bastante triste. Aqui há ditado popular que expressa bem essa ideia: ‘sempre neve, casas de madeira, grande ignorância, mas dinheiro de sobra’. Essa é a imagem que eles têm de nossa condição”. Um alemão de Weimar em solo napolitano.

Após o primeiro passeio afirmou: “Perdoei a todos que perdem a cabeça em Nápoles, e lembrei-me comovido de meu velho pai, que preservou uma impressão indelével das coisas que viu por aqui e que hoje pude ver pela primeira vez. Dizia ele que depois de estar aqui, nunca mais serei de todo infeliz, porque se lembraria sempre de Nápoles. Eu, de minha parte, estou bem tranquilo e apenas arregalo muito os olhos quando a cidade se faz extraordinária demais”.

O anonimato, que preservou a identidade do poeta alemão durante a viagem, não pode ser sustentado no sul. Ao saber que o autor do livro Os Sofrimentos do Jovem Werther estava na cidade, o príncipe Christian von Waldeck (general austríaco e irmão mais novo do príncipe regente) convidou-o a uma visita e ofereceu todos os préstimos para que Goethe pudesse ser muito bem recebido em sua visita à região. Num jantar no palácio, o príncipe indagou em que o poeta estava trabalhando. Goethe lhe contou a toda a história de Ifigênia em detalhes: “a acolhida foi boa, mas julguei notar que ele esperava de mim algo mais vivido, mais feroz”.

Antes de visitar a histórica Pompéia, anotou: “o agradável nas viagens é isto: mesmo o habitual adquire, graças à novidade e à surpresa, ares de aventura”. É com o espírito de aventura que o poeta descreveu o encontro com cidade soterrada pelo Vesúvio. “Muita desgraça já aconteceu no mundo, mas poucas capazes de causar tanta alegria à posteridade. Nada é mais interessante do que Pompéia. O estado de devastação e os saques dos escavadores destas ruínas demonstram o gosto de todo um povo pela arte e pela pintura, um gosto que o mais elevado amante das artes de nossos dias não conhece, sente ou necessita”.

Livros e Lugares – Caderno de Domingo – Jornal de Piracicaba – 15/mar/2015