Na residência/consultório de Sigmund Freud em Viena, ocorreu o primeiro encontro com Sándor Ferenczi, médico de Budapeste. Mediado por Gustav Jung, a visita se deu na final de tarde de um domingo de janeiro de 1908, selando o destino desta amizade tão criativa e criadoura. Há uma psicanálise antes e outra depois deste encontro.
No dia seguinte, Ferenczi enviou carta de agradecimento, registrando seu desejo:
“sou imensamente grato por sua disposição em receber-me, um desconhecido para o senhor. No último ano, tenho me ocupado de sua teoria do inconsciente e fui convidado a expor suas ideias na Sociedade Real de Médicos de Budapeste. Escolhi o seguinte título: Neuroses atuais e psiconeuroses à luz das pesquisas de Freud e a psicanálise. O público é formado por médicos, em parte ignorantes e, em parte, mal-informados. Gostaria também de ser um mestre neste novo terreno delimitado pela experiência clínica do senhor”.
Freud em Viena; Ferenczi em Budapeste; 250km de distância de uma cidade a outra; mais de 1200 cartas, cartões e telegramas, cambiados entre 1908 a 1933. Escrita intensa e em ebulição, nas cartas encontramos um dos maiores registros do ato de criação dos principais livros e artigos do inventor da psicanálise e a incansável colaboração do jovem discípulo húngaro na causa do inconsciente.
Ferenczi chegou para a visita com o entusiasmo juvenil e o desejo de conhecer o autor do livro A Interpretação dos Sonhos, publicada por Freud em 1900. Admiração recíproca. Freud ficou encantado com a vivacidade e sagacidade do jovem visitante e, de pronto, o acolheu como amigo íntimo no seu núcleo familiar.
Ferenczi foi convidado para as férias de verão da família Freud em Berchtesgaden, região alpina no extremo sul da Alemanha. Numa carta, Freud declarou:
“espero ansiosamente por nossa primeira viagem para conversarmos sobre diversos assuntos e pelo prazer de sua agradável companhia. Vou reservar sua hospedagem numa pensão ou hotel próximo da bela casa que alugamos para abrigar toda a família. Assim ficará mais fácil tê-lo em nossa mesa e em passeios pelas montanhas com meus garotos”.
A resposta de Budapeste veio certeira:
“Poucas vezes aguardei com tanta ansiedade pelo período de férias como este ano. Agradeço imensamente o gentil convite. Já me imagino em passeio pelas montanhas bávaras e estou tão excitado quando seus diletos filhos. Será um prazer acompanhá-los em excursões nas montanhas”.
Desde o encontro inicial, da primeira até a última carta, Ferenczi dirigia a palavra à Freud chamando-o de Ilustríssimo Professor. Por sua vez, Freud iniciou com Caro Colega e, após a primeira viagem, Caro Amigo. A única exceção ocorre em duas cartas após a viagem à Sicília. Pela insistência da demanda do amigo por um pai, Freud dirigiu-lhe a palavra, com certa ironia, chamando-o de Caro Filho. E justificou:
“preferia ter um amigo autônomo; mas como você está criando tantas dificuldades, sou obrigado a aceitá-lo como filho. Sua luta de libertação não precisa se desenrolar entre as alternativas de revolta e da submissão. E, não exija de mim mais do que estou disposto a lhe conceder de bom grado”.
In: Jornal Cidade – Rio Claro/SP – 11/junho/2021 – Projeto Conhecimento para Todos