No ato de germinação da filosofia na cultura ocidental encontra-se o desígnio do ser falante: os seres humanos estão designados à beleza, à justiça e à verdade. Esta referência primária é de grande importância para resgatar os valores que fundamentam a imagem do humano em sua especificidade no reino animal.
A beleza é um chamado a indicar com precisão um caminho, à cada um em particular e à cada coletivo social, para o cultivo das possibilidades de prazer estético e imprimindo na vida, graça, leveza e prazer fluído. A belo designa: marca com precisão. Variável no tempo e nas condições, a beleza continuará sempre exercendo sua condição designativa.
No livro História da Beleza, organizado por Umberto Eco, diferentes objetos estão representados para narrar a longa trajetória da relação dos humanos com o belo. No primeiro parágrafo, Eco definiu sua posição: “Belo – juntamente com gracioso, bonito ou sublime, maravilhoso, soberbo e expressões similares – é um adjetivo que usamos frequentemente para indicar algo que nos agrada. Neste sentido, belo é igual àquilo que é bom e, de fato, em diversas épocas históricas criou-se um laço estreito entre o Belo e o Bom”.
A correlação entre Belo e Bom demonstra bem seu caráter de juízo estético sensível. Atribuímos Bom àquilo que nos proporciona uma experiência de prazer, contentamento, felicidade. Logo, a beleza é um juízo de valor que qualifica o que nos agrada. Este aspecto vai além do caráter estritamente pessoal – há experiências com a beleza que adquiriram estatuto universalizante. Isto é, transcende, vai além, do tempo e do lugar.
Em 1930, Sigmund Freud construiu o mais derradeiro diagnóstico do mal-estar na civilização e elencou os tratamentos paliativos para suportar nossa condição infeliz: religião, ciência e arte são os instrumentos disponíveis para tratar do mal-estar. “A questão da finalidade da vida humana já foi posta inúmeras vezes. Jamais encontrou resposta satisfatória. O que os homens pedem da vida e o que desejam nela alcançar? É difícil não acertar a resposta: eles buscam a felicidade, querem se tornar e permanecer felizes”.
Como esse objetivo não se realiza em permanente, a civilização ofereceu lenitivos no mercado da infelicidade. A opção prescritiva do Dr. Freud é atualíssima: o amor à beleza é o que tem menos efeitos colaterais.
No cultivo da felicidade, o gozo da beleza oferece aos praticantes um bem-estar capaz de suportar as contingências de estados de infortúnios. Onde quer que a beleza se mostre a nossos sentidos e ao nosso julgamento, sentenciou Freud, a beleza das formas e dos gestos humanos, de objetos naturais e de paisagens, de criações artísticas, são recursos para mitigar a dor da existência. “A fruição da beleza tem uma qualidade sensorial peculiar, suavemente inebriante. Não há utilidade evidente na beleza, nem se nota uma clara necessidade cultural para ela; no entanto, a civilização não poderia dispensá-la”
Para quem deseja exercitar o cultivo a beleza, duas sugestões:
# “O triunfo da cor: o pós-impressionismo” no Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo. 75 telas do acervo do Musée d’Orsay e Musée de l’Orangerie em Paris; disponíveis até 07/julho próximo. Rara oportunidade para contemplar, face-a-face, os amigos intempestivos: Vincent van Gogh e Paul Gauguim. E também contemplar a relação das telas com os fundadores da pintura moderna.
# “Picasso: mão erudita, olho selvagem” no Instituto Tomie Ohtake também na capital; até 14/agosto. Ao todo, 116 obras do genial espanhol: pintura, escultura, desenho e gravura. O acervo vem do Musée National Picasso-Paris e traça um percurso cronológico e temático do período de sua criação. É a maior exposição de Picasso já realizada no Brasil.
Ano 8; nº 64; 1º semestre/2016
Ao Gato Preto Editora – Piracicaba/SP
Ilustração: Erasmo Spadotto