Outro dia recebi um chiste pelo WhatsApp: o garoto chega ao pai que está sentado, lendo o jornal, e pergunta: pai eu tenho laptop, ipad, tablet, mp3, notebook, smartphone, e você, o que usava na escola? Resposta do pai: a cabeça.
Os aparelhos eletrônicos, chamados gadgets, estão cada vez mais nas mãos das crianças. É impressionante a precocidade com que se tornam habitantes do mundo virtual e navegam pela internet. Parecem que já nascem plugados, conectados. Numa cena cotidiana de restaurante, os pais conversavam animadamente com os amigos enquanto o filho, sentado no cadeirão, hipnotizado pelas imagens de bichos exibido na tela do tablet. Com seus incipientes dedinhos, o garotinho deslizava na tela touch as imagens ao bel prazer.
A presença da criança no espaço virtual é tema problema para aqueles que não deixam de se inquietar com os efeitos da conectividade no funcionamento psíquico infantil. Não é sem motivo que o alarmante número de crianças diagnósticas com TDHA (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). Só no Brasil, estima-se a inclusão de 2 milhões de casos por ano. O que incrementa significativamente a produção de psicofármaco: o remédio para tratar o tal transtorno.
As redes sociais promovem situações embaraçosas que as crianças não têm condições psíquicas de representar e mesmo prevenir-se dos perigos a que estão expostas. Se, por um lado, a conectividade da criança pode lhe ser um precioso meio de conhecimento, por outro, cabe aos responsáveis por seu cuidado estarem atentos aos feitos psíquicos e as armadilhas insidiosas que subjazem no território da internet.
Se os próprios adultos estão caindo nestas armadilhas por perderem a noção da realidade fora da rede, as crianças precisam ainda mais de proteção e cuidados. Recentemente, um jovem médico do interior de São Paulo, contratado para atendimento à população de baixa renda aprendeu uma dura lição sobre os efeitos da conectividade. Postou no Facebook uma foto sua com um infeliz comentário, supostamente ridicularizando pacientes que falam “peleumonia e raôxis”. O efeito pólvora foi instantâneo e todo o País ficou sabendo sobre o médico que humilhou o paciente que não sabe falar corretamente.
Na mesma rede, publicou: “Eu errei, me arrependi e me sinto mal com isto. Este pedido de desculpas vai a todos os brasileiros que se ofenderam com a brincadeira. Dizer peleumonia, raôxis não desmerece ninguém. Português varia de acordo com o contexto social. Repito, foi uma brincadeira infeliz, não endereçada a ninguém, a nenhum paciente. Criaram um personagem que não existe. Quero dar um último recado para o Brasil. Quero sim que vocês odeiem sim o preconceito, quero que vocês odeiem pessoas que diminuam o próximo, mas não me odeiem porque esse, não sou eu”.
É preciso, como sempre, dialogar com as crianças sobre critérios para utilizar os gadgets e o tempo para navegar pela internet. Negociar com elas regras em comum. Incentivá-las a distribuir o tempo com outras atividades que não envolvam diretamente o uso desta quinquilharia eletrônica. Mas para isso, é imperante que os pais e os cuidadores também encontrem tempo para estar com as crianças sem a mediação destes aparelhos.
É comum na clínica com crianças ouvir a seguinte queixa: “meus pais falam para eu não ficar o tempo todo no celular, mas eles ficam o tempo todo no Facebook e WhatsApp e não dão atenção para mim. Eu falo com minha mãe e ela nem olha para mim”.
No sinal fechado, assisti a triste cena: na calçada, a garotinha, no máximo 5 anos, fazia todo tipo de estripulia para chamar atenção do pai conectado. Ele, impassível, se limitava a dizer: para quieta menina chata. Fala comigo, disse ela. Deixa o celular e brinca comigo, completou.
Ensinar as crianças que os equipamentos e a conectividade servem como instrumento de acesso ao conhecimento e não como finalidade exclusiva para o tempo de viver é um grande desafio aos pais e educadores na atualidade.
Ano 8; nº 67; 2º semestre/2016
Ao Gato Preto Editora – Piracicaba/SP
Ilustração: Maria Luziano