Tristeza e Depressão

“A tristeza é senhora; desde que o samba é samba é assim” cantou o poeta. Todos querem a alegria e, de preferência, o tempo todo. Como todos os afetos, a alegria não existe sem a tristeza; o amor sem o ódio; a coragem sem a covardia. Para ser alegre é preciso ser triste; caso contrário, não saberíamos distinguir um estado psíquico de outro.

Em dezembro de 2009, David Goldberg, psiquiatra do King’s College de Londres, esteve no Brasil como convidado do Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Em sua conferência, interrogou seriamente o Manual de Diagnósticos e Estatísticas (DSM) da Associação Americana de Psiquiatria e o lugar do sofrimento psíquico na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde: “é urgente delimitar o que define a doença mental, e a melhor maneira de fazer isso é rotular apenas coisas para as quais haja evidência de que os tratamentos atuais com psicotrópicos sejam melhores do que placebo”.

Apontou ainda que o excesso de diagnóstico para os transtornos emocionais e categorias subclínicas tem levado os profissionais da saúde psíquica a praticar a ideologia do bem-estar permanente. Com relação ao DSM, destacou: “há tendência de incluir no manual aquilo que se chama de depressão subclínica, abaixo do limiar para ser considerada transtorno. Eu me oponho a isso rigorosamente, porque não gosto de medicalizar estados de tristeza moderada pelos quais todos nós passamos”.

O Brasil é um dos campeões mundiais em consumo de psicotrópicos – só perdemos para os americanos. Nossos brothers levam o ouro da indústria de psicofármacos. A advertência do nobre psiquiatra inglês precisa ser levada a sério. O excesso de diagnóstico para o sofrimento psíquico (anímico, diriam os clássicos) tem transformado a tristeza e a melancolia em doenças mentais. A promessa de felicidade plena e ininterruptura faturam bilhões de dólares.

O problema não é o medicamento em si: é o seu uso indiscriminado. Certa vez recebi em consulta em mulher de 40 anos que disse ter depressão e transtorno bipolar. Como chegou a esse diagnóstico? indaguei. Pesquisei na internet, no Manual de Psiquiatria, respondeu candidamente. E você toma algum medicamento? Sim, tomo lítio e rivotril. Há quanto tempo? Há 5 anos, respondeu. Como você faz para comprar o remédio, uma vez que não tem acompanhamento médico? Compro pela internet, foi a resposta final.

E posso lhes garantir que não é um caso isolado. O número cada vez maior de usuários de antidepressivos entre todas as camadas da população, deveria ser interrogado seriamente pelos agentes de saúde. O sofrimento psíquico diz respeito ao estado de abatimento (sem ânimo), irritabilidade, agressividade, destruição física e simbólica de si mesmo e dos outros. Transborda nas relações cotidianas causando um transtorno de humor geral.

A depressão é uma tristeza que não passa e portanto impede o sujeito de se responsabilizar por sua condição desejante. A tristeza tem seu tempo próprio e ao aceita-la e reconhecer sua existência, ela vai embora. Para depois, voltar.

Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro no projeto “Conhecimento para Todos” do Instituto Justa Trilha Brasil

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