Os amigos: Lou Salomé e Rainer Maria Rilke

Em 1895 Lou Andreas-Salomé decidiu por uma temporada em Viena depois de ter vivido na Itália, Paris e Berlim. Russa de nacionalidade, escritora por vocação, Salomé desembarcou na capital do império austro-húngaro trazendo na bagagem existencial um histórico de relações de amizades apaixonantes por vários países da Europa: o triangulo com Paul Rée e Friedrich Nietzsche deixou um rastro de inimizades e a decisão imperiosa de não renunciar o exercício da liberdade e seu desejo.

Esta mulher intensa, livre e movida por paixões, viveu sob o signo da amizade. Por onde passou envolveu-se em laços impulsionadores para sua criação literária e potencializou a criação dos que com ela se envolveram. Nos ensaios anteriores aqui publicados, apresentei o encontro de Lou com Nietzsche e com Freud. Hoje, narro o encontro de Lou com o Rilke, iniciante poeta.

Num jantar na residência de Jakob Wasserman em 12/maio/1897, Rilke foi apresentado à Lou, escritora com 36 anos. Ele a conhecia como autora do ensaio Jesus, o Judeu. O biografo do poeta descreveu o primeiro encontro: “Rilke compreendeu imediatamente que Lou era a mulher pela qual esperava. Para o jovem de 22 anos foi um encontro meteórico que mudou o curso de sua vida. Sua primeira paixão arrebatadora”.

O encontro foi decisivo para a viagem de Rilke à Florença: primeiro tempo de sua formação estética e estilística. Abril/1898, após chegar em solo italiano, iniciou o Diário de Florença. Além de um relato de viagem, o Diário é uma conversa prolongada com Lou Salomé, a quem dedica o livro. Tempos depois, reconhecendo o estado de apaixonamento em que se encontrava, assim se expressou: “mulher maravilhosa, como me engrandeceste. Porque se os dias na Itália me presentearam com tesouros, foste tu que criaste o espaço para recebê-los em minha alma, em que se debatiam os sonhos e numerosas angústias. Fizeste com que eu recuperasse a alegria”.

Após o jantar do primeiro encontro, Rilke convidou Lou para irem ao teatro assistirem peça Forças Obscuras e, desde então, o jovem começou a cortejar a mulher dos seus sonhos. De pronto, fez de Lou sua musa inspiradora. Em poucos meses estavam morando juntos como amantes numa casa rústica nos campos de Munique, ao lado de uma colina.

Na época, Lou era casada, juridicamente, com Friedrich Carl Andreas e não há muitos registros das circunstâncias que levaram Lou a decidir pelo casamento em 1887. O que ela mesma deixou escrito indica que não tinham uma vida sexual. Lou desejava viver sob o signo da amizade, o sexo era acidental.

No caso com Rilke o acidental aconteceu: Lou, na posição de amada, amou o amor devotado do jovem poeta. Amou reconhecer a potência criativa deste amor na poética daquele que veio a ser um dos maiores da língua alemã na arte literária, no conto e na poesia. De amiga a amante; de amante a amiga; Lou manteve longa correspondência com Rilke até o final da vida do poeta em 1926. Participou ativamente no trabalho de criação dos livros fundadores do estilo do poeta. De igual modo, os escritos de Rilke foram inspiradores para a criação das obras de Lou.

Lou foi instalada por Rilke na condição da musa, sua inspiração amorosa para criar. O incandescente amor, cantado em letras sublimes pelo poeta, foi vivido efetivamente com Salomé, a mulher mensageira de Eros, o enlaçador.

in: Jornal Cidade – Rio Claro/SP – dezembro/2021 – Projeto Conhecimento para Todos

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