A repercussão dos protestos em todo o Brasil tem intrigado especialistas no assunto. Até quando essas manifestações vão acontecer? O que tudo isso significa? Seria um surto nacional? A resposta mais óbvia é que o silêncio de 11 anos — desde 1992, quando os caras pintadas saíram as ruas para o impeachment do então presidente Fernando Collor — explodiu somente agora, quando a insatisfação sobre o custo de vida, a qualidade do serviço público entre outras questões vieram todas de uma vez, estampadas em novas caras pintadas, cartazes, faixas e gritos de guerra.
“O entendimento mais correto é o fator que pega no cotidiano de estudantes e trabalhadores: o aumento do valor dos transportes. Isso é o fator fundamental. O preço do transporte, que dá o direito de locomoção e acesso à cidade, foi determinante”, disse o historiador Uassyr de Siqueira, professor da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba). Para ele, é difícil explicar o motivo de ser agora o momento. “Talvez tenha demorado um pouco (desde 1992) em decorrência de uma certa fragilidade dos movimentos estudantis, que passaram depois do impeachment. É um processo”, disse.
O psicanalista e professor de filosofia contemporânea na Unimep, Marcio Mariguela, afirmou que a comunicação por internet tem efeito mobilizador desconhecido ainda no Brasil. “Temos visto ações assim no Oriente Médio”, contou.
No aspecto psicológico, Mariguela acredita que o silêncio represou os gritos de indignação. “Uma vez que um povo é recalcado ele sempre retorna, é o princípio da psicanálise. O que está calado volta com mais força. Abre uma via e aquilo que estava silenciado, certa anestesia social, isso retorna às ruas”, disse.
Capitais — Muitas capitais ecidades de diversos Estados do país já afirmaram que vão revogar o aumento das tarifas de ônibus. No entanto, a população segue nas ruas. Afinal, até quando o Brasil vai seguir assim? Para Siqueira, as grandes manifestações tiveram papel fundamental para se voltar atrás nos aumentos. “Possivelmente dado a organização dos movimentos é possível que queiram avançar um pouco mais nas reivindicações”, disse. Segundo ele, além das tarifas, outros temas acabaram vindo à tona. “O movimento se tornou polissêmico, com várias bandeiras, diferentes grupos”, disse.
Para Mariguela, todo mundo está tentando decifrar os efeitos desse descontentamento no calor dos acontecimentos. “Não tem muita resposta. Ninguém sabe o que fazer. É uma situação caótica, mas do caos que vem o novo”, ressaltou.
Ir as ruas, segundo Mariguela, é a raiz forte da democracia. “Desde os gregos a democracia é isso. Povo nas ruas, na praça. O povo dizendo o que pensa, o que quer, o destino que quer para o governo. Como querem viver, o que são leis, o que é permitido, o que é proibido. Se a democracia nasceu assim, que seja assim”, frisou.
fonte: Jornal de Piracicaba