A ética da Psicanálise e o princípio ético do cuidado de si em Michel Foucault
Márcio Mariguela, psicanalista com formação em filosofia
“penso que a ética é uma prática, e o êthos, um modo, uma maneira de ser” (Foucault)
Cronograma:
29 julho – êthos e éthos: variações históricas entre ética e moral
26 agosto – História da Sexualidade: da genealogia do poder à genealogia da ética
30 setembro – genealogia da ética: o cuidado de si
28 outubro – hermenêutica do sujeito: inconsciente e desejo
25 novembro – os paradoxos da ética ou agiste em conformidade com teu desejo? Seminário 7 de Jacques Lacan
Horário: das 9h às 11:30h
30 vagas presenciais
vagas online (transmissão ao vivo pelo google meet)
Inscrição: WhatsApp – 19.998870409 (Luana)
R$ 70,00 por aula (150,00 na inscrição, 200,00 em 30 dias – PIX)
local: Natural Music – Rua Almirante Barroso, 579A – Piracicaba/SP
Enunciado:
Na entrevista, “A ética do cuidado de si como prática da liberdade” (janeiro/1984), Michel Foucault reconheceu seu procedimento filosófico situado entre dois polos, subjetividade e verdade: “desde sempre procurei saber como o sujeito humano entrava nos jogos de verdade, tivessem estes a forma de uma ciência ou se referissem a um modelo científico, ou fossem como os encontrados nas instituições ou nas práticas de controle. O problema das relações entre o sujeito e os jogos de verdade são considerados agora nos meus cursos no Collège de France como prática de si [cultura de si, cuidado de si]. Um fenômeno muito importante em nossas sociedades desde a era greco-romana, embora não tenha sido estudado”.
No curso A Hermenêutica do Sujeito, ministrado no início década 1980, dois anos antes de sua morte, Foucault pesquisou o fenômeno histórico das práticas de si. Os resultados desta pesquisa podem ser recolhidos na História da Sexualidade, volumes 2 {o uso dos prazeres} e 3 {O cuidado de si} publicados em 1984; e o volume 4 {As confissões da carne} publicação póstuma 2018.
No último curso proferido no Collège, A Coragem da Verdade, aula 1º/fevereiro/1984, vemos Foucault refazendo seu percurso: “este ano contínuo o estudo da fala franca, da parresia como modalidade do dizer-a-verdade. Venho pesquisando o tipo de ato pelo qual o sujeito, dizendo a verdade, se manifesta, e com isso quero dizer: representa a si mesmo e é reconhecido pelos outros como dizendo a verdade. Qual é a forma [aletúrgica] do sujeito que diz-a-verdade?
Na cultura antiga houve um jogo de práticas do dizer-a-verdade sobre si mesmo. “Essas práticas não são desconhecidas e não tenho em absoluto a pretensão de dizer que as descobri, não é minha intenção. O que fiz foi analisar essas formas práticas do dizer-a-verdade sobre si mesmo relacionando com um eixo central da cultura ocidental: o princípio socrático do conhece a ti mesmo”
Dois princípios fundantes: epiméleia heautoû {cuidado de si} e gnôthi seautón {conheça a si mesmo}. Da ética do cuidado de si para a moral do conhecer a si. A moral socrática-platônica subjugou o cuidado de si ao princípio délfico do conheça a si mesmo. Foucault marcou com precisão o tempo histórico desta virada decisiva para a emergência da moral cristã. Para cuidar de si é preciso conhecer a si. Repetimos esse mantra desde o aparecimento da moral socrática.
O objetivo das aulas neste modulo 5 do Curso de História da Filosofia é retornar ao curso A Hermenêutica do Sujeito para resgatar o princípio ético do cuidado de si e assim, insistir na distinção entre o campo da Ética e o campo da Moral. Este resgate permite reinscrever o cuidado de si como princípio da ética da psicanálise tal como descrita por Jacques Lacan no Seminário 7.
Na aula de 06 janeiro 1982, pouco depois da morte de Lacan, Foucault destacou a importância do psicanalista criador de Escola: “todo interesse e a força das análises de Lacan estão precisamente nisto: creio que Lacan foi o único depois de Freud a querer recentralizar a questão da psicanalise precisamente nesta questão das relações entre sujeito e verdade … ele tentou colocar a questão que, historicamente, é propriamente espiritual: a questão do preço que o sujeito tem a pagar para dizer o verdadeiro e a questão do efeito que tem sobre o sujeito o fato de que ele disse, de que pode dizer e disse, a verdade sobre si próprio”.
A psicanálise surgiu no mundo ocidental como mais uma variante das práticas de si na modernidade. “O dizer-a-verdade sobre si mesmo na cultura antiga foi uma atividade conjunta, uma atividade com os outros, e mais precisamente com um outro, uma prática a dois. E é o estatuto desse outro, tão necessário na prática do dizer-a-verdade sobre si mesmo que me reteve e me deteve”.
Foucault destacou: na cultura antiga a presença desse outro para o cuidado de si era variável e não institucionalizado como o será na cultura cristã com a figura do diretor de consciência; e na cultura moderna encarnado no médico, psiquiatra, psicólogo e psicanalista. Na antiguidade, esse outro pode ser qualquer um.
Inserir a psicanálise na série dos fenômenos das práticas de si, identificado por Foucault na cultura greco-romana, tem implicações políticas significativas para interrogar a prática clínica da psicanálise na atualidade pela reincrição da ética do cuidado de si como prática de liberdade.
Bibliografia:
FOUCAULT, Michel A Hermenêutica do Sujeito. Tradução: Marcio Alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 1ª edição 2004.
____________ A Coragem da Verdade. São Paulo: Martins Fontes,2011.
____________ O governo de si e dos outros. São Paulo: Martins Fontes,2010.
____________ História da Sexualidade. I-A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 5ª edição 1984.
____________ História da Sexualidade. II- O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1ª edição 1984.
____________ História da Sexualidade. III- O cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 1ª edição 1985.
____________ História da Sexualidade. IV- As confissões da carne. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1ª edição 2020.
____________ “Sobre a Genealogia da Ética: um resumo do trabalho em curso” in: Ditos & Escritos IX. Rio Janeiro: Forense Universitária,2014.
____________ “A ética do cuidado de si como prática da liberdade”; “Uma estética da existência”; “Verdade, Poder e Si Mesmo” in: Ditos & Escritos V. Rio Janeiro: Forense Universitária, 2004.
LACAN, Jacques O Seminario 7 A ética da psicanálise. versão brasileira de Antonio Quinet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
____________ “Kant com Sade” in: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
SOUZA, Sandra Coelho A Ética de Michel Foucault: a verdade, o sujeito, a experiencia. Bélem-PA:Cejup, 2000.
BIRMAN, Joel Entre cuidado e saber de si: sobre Foucault e a Psicanálise. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.
KEHL, Maria Rita Sobre Ética e Psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
MARIGUELA, Marcio “Genealogia da ética: o sujeito em questão” in: Revista Temática Digital – FE/Unicamp, 2007
http://marciomariguela.com.br/wp-content/uploads/2010/04/genealogia_da_etica.pdf
_______________ “O retorno a formação: por uma ética da palavra” In: UM Retorno a Freud – Organizado por Nina Virgínea de Araújo Leite e Flávia Trocolo – Campinas: Mercado de Letras, 2009
http://marciomariguela.com.br/wp-content/uploads/2010/05/retorno-a-formacao.pdf
_____________ “Sexualidade e a ética do cuidado de si” in Educação: Teoria e Prática, v.18 n.30 UNESP, 2008
http://marciomariguela.com.br/wp-content/uploads/2010/04/revista_unesp.pdf
_____________ “A criação da psicanálise e a invenção de um psicanalista” in: Revista Literal 13 Escola de Psicanálise de Campinas, 2010.
http://marciomariguela.com.br/wp-content/uploads/2011/04/revista_literal_13.pdf